11 abril, 2006

O Cabo...dos encantos


Fotos de Cabo Verde
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É a segunda vez que vou e a segunda vez que me custa voltar. Sei que será sempre assim. O aroma adocicado que paira no ar, o calor dos trópicos que nos aquece a alma embalada pelo som sempre presente das mornas e coladeras, e o mar sempre morno, são razões mais que suficientes para uma paixão assolapada.

Mas é a Morabeza que não nos deixa sair de Cabo Verde sem um aperto no coração. É a Morabeza que nos faz cativos de um povo que já foi escravo e que se libertou do jugo europeu, mas que continua prisioneiro de uma forma de estar única e inimitável. A Morabeza é uma forma rara de amar e respeitar os outros, o doce sabor de um sorriso aberto sem complexos, um olhar lento e demorado que nos envolve e nos despe de preconceitos, raciais e afins. Morabeza é receber com carinho e alegria, simpatia. É receber apenas, e esperar que o encanto das gentes das ilhas faça o resto.

É impossível chegar com espírito europeu. A sujidade das ruas sem rigor na esquadria, as casas eternamente inacabadas e sempre longe do conforto, o horizonte árido, pedregoso e poeirento seriam visões e emoções insuportáveis. Não há moda em Cabo Verde. Há roupas que se usam.

A beleza não é estética, é afectiva. Ao cabo verdiano, que odeia a violência dos badios, basta a pasmaceira de um dia cheio de calor, um banho salgado, uma morna ou uma coladera com um corpo quente e suado, uma fruta tropical, um coco fresco e um peixe bem regado por uma cerveja estupidamente gelada. Ao lado do café há sempre um grogue ou um ponche para queimar as impurezas da alma, e aquecer as purezas do coração.

O cabo verdiano é filho de mãe preta, pai branco e irmão de meninos arco-íris. É na cor mulata de café com leite, nos olhos verdes e nos cabelos claros que existe uma beleza única que deslumbra os olhares. A sensualidade das mulheres - de olhares lânguidos sem maldade, de passo descompassado e sensual e de malandrice no sorriso que provoca - é uma das maiores riquezas de um arquipélago mulato que já foi escravo, mas que ainda é prisioneiro da Morabeza que não perde. Ser mulher em Cabo Verde é ser embaixadora da beleza natural, sem maquilhagens e preconceitos.

Ser mulher é dar o corpo para ser usado com respeito por quem sabe embalar ao som de um ritmo invencível e contagiante. Não há Batuque, Finason ou Colá Son Jon que acabe sem companhia. Não há músicos solitários nas ilhas.

Longe vão os tempos das naus carregadas de escravos, das grilhetas de ferro, das plantações de algodão e tecelagens que marcaram os dias de outros tempos. Hoje os dias correm tranquilos, até demais. Tanto que, na pressa de seduzir, o cabo verdiano se esquece de agir, construir e amealhar. É por isso que cada porto e aeroporto é cada vez mais uma ponte para outros destinos. Menos belos, mais aliciantes. Cabo Verde vive da herança que ficou dos tempos coloniais. Não cuidou nem reconstruiu, não planeou e não agiu. Fugiu para o estrangeiro,ou ficou para receber como mais ninguém sabe fazer. Mas faltam condições para o conforto que parece não fazer falta mas será sempre bem recebido. Cabo Verde acordou à beira do segundo milénio para uma nova era. Com Morabeza sim, mas com ambição também. Não faz mal na dose certa. E um dia, perto deste que gasto numa prosa cheia de sodade, um dia vai ser impossível sair das ilhas de todos os encantos. Será o Cabo dos trabalhos, quando o Verde for mais forte e o pó assentar à beira de estradas asfaltadas. Quando as casas tiverem cor e todos os meninos usarem roupa e sapatos para aconchegar os pés bailarinos. Quando à beira do mar houver casas dignas do nome. Nesse dia, cada porto e aeroporto será pequeno para tantas chegadas. Cada filho di terra vai querer voltar ao ponto de uma partida que nunca desejou no coração mas se obrigou em consciência. E haverá lágrimas de alegria nos olhos grandes e bonitos de um povo que se enriquece de sorrisos... Lágrimas abençoadas para um povo que parece mais perto de Deus...mas mais longe da civilização.

É uma boa opção para as habituais viagens da Páscoa.

1 comentário:

Anónimo disse...

como eu compreendo, cada letra das palavras que compoem as frases do teu texto...

que sodade...

Voltava hoje, vou voltar...

ZM