13 abril, 2006

O Fracasso do Amor

Por agora é só um sonho. Um dia há-de ser um livro. Cabe neste blogue porque os livros também nos ajudam a viajar.


Capítulo 17


Os passos ecoam no longo e escuro corredor, compassados e melancólicos. Toc, toc, toc... Avanço lentamente com medo do caminho que se vai encurtando a cada segundo. Sei que depois de um pequeno lanço de escadas voltaremos a cruzar-nos novamente, duas semanas depois. Ainda bem que não te vi no desvario que te conduziu até este sítio lúgubre e frio, que detestei desde o primeiro momento. O colete apertado e tu a gritar que não ias a lado nenhum sem mim. A voz sumiu-se, enrouqecida pelo descontrolo que te assumiu os gestos de um momento para o outro. A viagem na ambulância foi longa e silenciosa. Ninguém te ouviu uma palavra ou um protesto. Já estavas fechado no teu mundo novo onde entraste de repente, num piscar de olhos. Há vários dias que não abres a boca, nem p’ra comer. O doutor diz que não te conhece a voz. É pena, é tão bonita. As tuas palavras pareciam música quando me dizias que eu era a mulher que mais amavas. Conseguias dizê-lo sem soletrar, num tom suave e sereno que me dava alento e felicidade. Nem consigo imaginar-te aos berros, de mãos na cabeça, olhar perdido e gestos bruscos. Cinco pessoas a agarrar-te e tu aos gritos, que te largassem porque sem mim ninguém te levava. Levaram-te, mas não eras tu. Eras alguém que te domina desde esse dia e não sabemos quem. O médico diz que é uma doença vulgar. Que temos de viver com ela. Eu não me importo.
Cá estás tu. De robe e chinelos, cabelo despenteado e olhar perdido. Já não sorris. Os teus olhos não falam com os meus como antes. Pareces tontinho. As mãos nos bolsos e os pés trôpegos. Nem pareces tu. O médico diz que se estranha ao início mas depois habituamo-nos. Mas eu não quero. O que eu quero mesmo é que voltes depressa a seres como eras. Vou esperar o que for preciso mas não me resigno a ter-te assim. Tu já percebeste. Apertaste a minha mão como só nós sabemos. É o sinal secreto que usamos para falar sem que ninguém perceba.
Os passos ecoam no longo e escuro corredor, compassados e melancólicos. Toc, toc, toc... Avanço lentamente no caminho de regresso a casa que se vai encurtando a cada segundo. Sei que volto amanhã, mas não sei como fazer para não contar tantos e dolorosos minutos. Só, sem ti. Sem saber o que nos reserva o futuro. Espero que te deixem voltar em breve, para casa... e para mim.

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