11 abril, 2006

Maresia


Foto retirada do Site Junta Turismo Ericeira

Tem morada de excelência no cartão de visita, Ribamar, na Ericeira. Tem uma vista esplêndida sobre o mar, e tem uma Sopa de Peixe com Cenoura que não se esquece. Para os mais gulosos há uma proposta irrecusável: Fondue de Chocolate. Dê um safanão na preguiça numa das suas tardes de fim-de-semana, ajeite o camisolão de lã se for preciso e não se esqueça de levar um impermeável na bagagem, nunca se sabe!

Gostos não se discutem mas - entre almoços, lanches e jantares - eu prefiro a indolência das tardes, mesmo as de tempo menos risonho, para dar largas a um desporto nacional que me cativa e que pratico com agradável assiduidade: molengar. Conversar sem a ditadura dos minutos, comer bem e beber melhor. Há dias em que a palavra dieta não me soa bem e os nossos fígados estão cá para isto; para umas crises de vez em quando.

Não conhecemos o dono de lado nenhum, mas a simpatia é um dos melhores cartões de visita de qualquer casa e por isso ficamos bem impressionados logo no primeiro contacto. O Tó-Zé - lá na casa dispensam-se os formalismos - recebe-nos com um sorriso nos lábios e sem ementa nas mãos. Tem os sabores na ponta da língua e as palavras certas para uma sugestão irrecusável. Venha de lá então essa Sopa de Peixe de que tantos falam e que nunca me foi apresentada. Diz o Tó-Zé que não é igual às outras, não arrisca o auto-elogio mas lembra que é a diferença que lhe dita o sucesso. E diz bem. Já comi muitas sopas de peixe, mas nenhuma me deixou tantas saudades como a que dividimos, naquela tarde de cor cinzenta, com o mar a agitar-se em Ribamar.

É incrível como um dia da treta (como tu gostas de dizer) se transforma de repente numa tarde deliciosa só porque a sopa de peixe é diferente das outras. Tem muita cenoura e peixe em pedaços suculentos. E mais não digo. O aroma a maresia que vem lá de fora, embalado por uma brisa de gelar os ossos, confunde-se com os odores que se escapam da cozinha da Olga, quentinha e confortável. A sala herda a mistura e entorpece-nos os sentidos. Deve ser por isso que ficámos tanto tempo, e nem demos por isso.


Foto retirada do Site Junta Turismo Ericeira

A casa abriu em Julho, já lá vão quatro anos. Imagino que não fique tão bonita no pico do Verão. Será que, com a sala cheia, se observam com o mesmo prazer os detalhes artísticos que lhe vincam a identidade de que tanto gostamos? Os vidros largos iluminam o espaço. As mesas, pequeninas, vestem-se de individuais com padrões variados e coloridos: flores, riscas e quadrados. Há cinzeiros, puxadores e quadros de vidro trabalhado e pigmentado que lhe dão um toque muito original. A agradável e amena temperatura interior joga bem com as cores quentes da decoração: bege, vários tons de amarelo, ocre e terra. Há uma harmonia e uma serenidade que nos faz esquecer que lá fora, com o Inverno em assomos de grande vaidade, há um dia da treta que nos espera à saída. Vamos sair já de noite.

Anoitece cedo nos meses de manga curta - é pena! Já não se vê a fúria das ondas a fustigarem a praia de Ribamar. Essa mesmo onde os magos da prancha se exibem em acrobacias que contam para o campeonato. Nesse dia nem os mais corajosos se afoitaram em piruetas e outras cabriolas audaciosas. Não é medo do clima, é que os fatos de borracha travam o frio mas não protegem os ossos, e o mar não está para brincadeiras. Adiante. Ou melhor, de retro! Ainda estamos lá dentro na companhia de uma ementa, pouco ambiciosa, cheia de referências a delícias que se escondem no mar, e que saltam para a panela da cozinheira Olga sem grandes cerimónias. Os primores, toque e retoques vêm depois. As maravilhas que se podem fazer de colher em riste, com um miserável tacho, alguns ingredientes escolhidos a rigor e generosa imaginação. Ora aqui fica a listinha para que leve o pedido bem apurado e faça boa figura logo no pedido:

Sopa de Peixe, Queijo de Ovelha Grelhado, Mexilhões com Molho de Tomate, Lulas Grelhadas ou em Espetada com Camarão, Bife de Atum, Bacalhau numa espécie (é mesmo assim) de Caldeirada, Cherne Grelhado à lá Guilho, Arroz de Marisco com Lagosta, de Gambas de Polvo e de Tamboril, Dourada com Bacon, Espadarte Grelhado com Molho de Alcaparras, Fondue de Lombo com molhos diversos e fruta a companhar, Manta ou Lombinhos de Porco preto e Tarte de Maçã. Já referi no início mas neste caso não cai mal uma repetição, não se esqueça que lá na casa há um corta-linhas, ou um mata-dietas se preferir, o famoso Fondue de Chocolate com Frutos.

Naquele dia ficámos na dúvida. Revelamos o cantinho ou mantemos segredo para nos garantir um refúgio privado? Nã. Seria um segredo de polichinelo e não há amigo que nos perdoe uma trapaça destas. Preferimos o desassossego do lugar que uma bronca dos amigos. E nenhum dos que mais prezamos nos perdoaria a traição. Anda uma pessoa a vida inteira a pescar amigos à linha e depois rompe-se o cesto só por uma safadeza sem perdão.


Foto retirada do Site Junta Turismo Ericeira

Ora cá vai disto; da Ericeira para Ribamar corta-se à esquerda. Não se segue para a Praia dos Côxos, mais à direita há uma rua que desce, é a Rua dos Matinhos. O nº do sítio é o 261.865.697. Pronto. Assim como assim o segredo já era pequeno, as revistas da especialidade não perdoam e já avisaram os apreciadores do género de que há na Ericeira um local de muitos prazeres, onde se petisca de olho no mar com todo o conforto. Vai uma sopinha de peixe? Ai não...

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