12 abril, 2006

Madeira


Foto retirada do site www.madeiratourism.org

O voo rasante sobre o relevo acidentado da maior ilha do arquipélago, é o primeiro contacto com aquela a que chamam, com a maior justiça, a "Pérola do Atlântico". Epíteto corriqueiro e estafado, mas ajustado. Muitos anos depois do acidente que marcou a aviação comercial portuguesa e traumatizou para sempre os mais ansiosos e receosos, o renovado e rebaptizado aeroporto - que hoje é da Madeira e que foi de Santa Catarina -, é entrada privilegiada, agradável e segura para uma ilha paradisíaca, aberta ao exigente mundo do turismo.

Longe vão os tempos das emoções ao rubro, adrenalina ao máximo e nervos em franja, à medida que o avião iniciava a aproximação a uma mini-pista, onde não cabiam todos os aparelhos, onde não iam todos os pilotos. Onde poucos se sentiam à vontade, mesmo os mais habituados a voar com regularidade. Foi-se o momento da paragem cardíaca, por momentos, entre o primeiro toque logo nos centímetros iniciais do asfalto, até ao fim de uma interminável travagem de cortar a respiração. Sobrava pouca pista e muito mar a um passo, a um mísero passo, do abismo.

O que se segue é um relato de quatro dias no Funchal. Um relato exclusivamente na perspectiva de um turista acidental, que chega para o espectáculo de fim-de-ano numa baía mágica, encantada e mítica. Uma baía que abriu caminho ao povoamento do arquipélago, iniciado por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira no primeiro quinto do século XV. O tal em que cruzámos os mares para dar novos mundos ao mundo. A realidade da ilha, fora dos roteiros turísticos, fica para outras núpcias.



A simpatia, disponibilidade e boa disposição do povo madeirense é a primeira boa impressão que se herda do contacto inicial. E como gosta de dizer Jaime Gama: "Não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão".

A Madeira, profissionalizou-se no que sabe fazer melhor, receber forasteiros. As ruas estão impecavelmente limpas. As casas cuidadas com esmero. As lojas preparadas para responder a todas as necessidades de quem se vê, por vários dias, com bagagem reduzida. Os linhos bordados e as lãs, inapropriadas para um clima tão ameno, são raínhas na oferta de quem sabe o que procura. O vinho, o artesanato e a gastronomia completam o ramalhete para aguçar o consumismo dos visitantes.



A oferta de hotéis cresceu muito em poucos anos. Muito por culpa do Grupo Pestana - com raízes na Madeira. Há para todos os gostos, novos e renovados, chiques e mais modestos, clássicos e sofisticados, caros e baratos, com vista priveligiada e privilégios à vista. No fim do ano chega a haver mais de quarenta mil pessoas em busca do fogo-de-artifício que deslumbra o olhar - e corre mundo nas televisões, com lugar de destaque garantido -, a taxa de ocupação chega a ser de 97 por cento. Números de encher o bolso aos empresários, mas que não sossegam as angústias de um mercado cada vez mais preocupado com um país em tanga curta. Com um mundo em sobressalto. Mas, crise à parte, a Madeira, ao contrário do Algarve e de outros destino nacionais atractivos para os turistas, é motivo de orgulho para um país em crise acelerada de auto-estima, confiança e esperança. Merecedora de muitos elogios e poucos reparos, a ilha não se deixa confundir com tamanha confusão, não se deixa intimidar com tanta exigência nem se descuida nos cuidados que lhe merece quem paga. Há sempre um afável bom dia, em dialecto próprio, embrulhado num sorriso.



A poucos quilómetros do centro, com vista privilegiada sobre a baía e sobre a cidade que se veste de luzes a cada noite, há um resort e SPA que deve parte do seu sucesso a um homem valioso. Chama-se Philipe Boussert, é artista das lides culinárias, homem de fértil imaginação e dotes prodigiosos. Veio de França onde se especializou na sinfonia de tachos e panelas que tocou vários meses na ilha encantada. Com o apoio do Sr. Pires, um madeirense arrojado e cheio de genica que também andou por França em apurada formação, cortou com velhos hábitos e arejou a forma de estar à mesa. Tocavam os dois no mesmo tom e isso ajuda muito. Agora o Chefe chama-se Gilles Gali, mas garantem-me que a qualidade se mantém. O Choupanha Hills é um bom exemplo da qualidade a que chegou o turismo madeirense. Até à mesa. A ementa que se segue, e que me foi servida, é da autoria do referido mestre cuca. Mantém-se mas com várias novidades que vou revelar em breve. Juro que nunca vi o rosto de Phillipe Boussert, o tal cozinheiro, não me encolheram a conta nem me esticaram os privilégios. Não sou amigo do dono do resort, nem tenho estadia gratuita negociada em troca de tantos elogios. É a saudade de tão requintados sabores que me faz escrever desalmadamente neste tom elogioso e, confesso, talvez exagerado.



Ementa:

Creme de Batata Doce com Requeijão Fresco

Frango Recheado com Cogumelos e Molho Tandoori - prato entretanto abolido da ementa

Panacotta de Frutas da Madeira - um pudim gelado com três sabores: cacau, tomate inglês e mango, ou em alternativa

Moelheux de Chocolate com Doce Gelado de Amêndoas

Decidi acompanhar a coisa com um Vinha Grande, um Douro de 92, muito agradável até na relação qualidade/preço.



Este é um dos muitos exemplos de uma cozinha que nos cativa o palato, e a vista. São muito atraentes as soluções de decoração encontradas pelo dito senhor para as iguarias com que foi presenteando e seduzindo os hóspedes. Se dependesse apenas da cozinha- e atenção que me garantem que a qualidade se manté - eu voltaria, ainda hoje.



Para acertar a linha, depois de tanta gula em descontrolo, sobra o SPA com massagens para todos os gostos, ou um passeio nocturno pela cidade iluminada a preceito. Parece um presépio em tamanho-família. É um belo postal para acicatar a inveja dos nossos amigos que, em ano azarado, foram obrigados a vergar a mola enquanto tentamos dar um pontapé na crise que parece agudizar-se a cada dia que passa. É sem dúvida o cenário idílico para devolver o fôlego a um amor que ande pouco vigoroso, ou aproveitar as delícias de uma paixão que se mantém tão acesa como o fogo que arde e vê-se bem, na baía.

Não se esquece facilmente o espectáculo do célebre fogo-de-artifício do Funchal. Começa quinze minutos antes do minuto zero que recebe o novo ano, um pouco por toda a ilha. Perliminares que acabam num apogeu indescritível, com a prestimosa e deslumbrante colaboração de onze, onze paquetes de luxo que parecem querer esconder a crise com um fogacho gigante de alegria e esperança.

A Madeira está bem e recomenda-se. E não falo de questões políticas, como é evidente.

Fotos cedidas por Choupana Hills Resort e SPA

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